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A Conversão Dos Desejos (2ª Parte): o desejo por Deus na vida da samaritana - João 4.5-26



Para Jean Yves Leloup “o desejo é o instinto que nos guia”. De fato, caminhamos na direção dos nossos desejos ou de uma maneira de tornar a falta do objeto desejado menos insuportável.

O riacho tem sede da imensidão e através de seu curso passa por todas as dificuldades para encontrar a vastidão do oceano. Nós também desejamos em nosso mais profundo encontrar Deus.

Agostinho talvez tenha sido o primeiro a enfatizar a importância dos desejos para a vida espiritual. Para ele o fato de sermos criados por Deus significa que somente encontraremos o descanso de nosso desejo em Deus. Nesse sentido nosso desejo é um guia para Deus.

Quem vai nos guiar nos caminhos do desejo é a samaritana. A samaritana em sua sede pode nos servir de arquétipo da humanidade na busca de satisfazer o seu desejo. Ela representa todo aquele que verdadeiramente procura apaziguar seu desejo. O caminho que ela percorreu é também nosso caminho.

Ela se debruça sobre o poço sem fundo do seu desejo, ela pensa que a água, a matéria, pode apaziguá-lo. Ela se assusta quando Jesus diz que quem beber dessa água voltará ter sede. O mesmo acontece conosco quando procuramos preencher o desejo com coisas materiais. Quanto mais temos, mais queremos. Nossa sede é mitigada por um momento e depois ela volta: “aquele que bebe desta água terá sede novamente”.

A história da samaritana reflete que talvez a saciedade do seu desejo, a felicidade que ela procura, a segurança que ela busca, não esteja em coisas materiais. Há nela um desejo que pede constantemente, mais e mais. Nunca é o bastante. Ela buscava a saciedade de seus desejos em suas relações afetivas.

Então Jesus diz a Samaritana: “Vai chamar teu marido e volta aqui”. Traduzido literalmente: “vai chamar aquele com quem tu pensas teu desejo é apaziguado”. E a mulher responde: “Eu não tenho marido”. Suas palavras querem dizer: “Neste momento não conheço a paz do meu desejo. Não conheço a paz que tanto desejo” E Jesus lhe diz: “Dissestes bem, pois cinco maridos tiveste, e o que agora tens não é teu marido”.

Numa linguagem alegórica, os cinco maridos podem significar os cinco sentidos. Podemos chegar ao conhecimento através da utilização dos cinco sentidos. Mas, mesmo assim a realidade nos escapa. Portanto, a Samaritana vai ainda se interrogar porque não são as realidades materiais, nem afetivas que podem apaziguar seu desejo.

A mulher não se sente satisfeita apenas com palavras. Se as realidades materiais não trazem paz ao seu desejo, se as relações de amor e amizade não apaziguam o seu desejo, talvez ela vá encontrar essa paz na religião. Isso acontece com muitas pessoas. Ela faz uma pergunta que pode saciar seu desejo de verdade. Todos nós temos alguns desejos básicos, entre eles, o desejo de amar e ser amado, e o desejo da verdade: “Es tu maior que nosso pai Jacó?”. E na continuidade do diálogo ela emenda: “Senhor, vejo que tu és profeta. Nossos pais adoraram neste monte, mas vós dizeis que o lugar de adoração é em Jerusalém”.

Atualmente o mesmo questionamento pode ser feito.

Onde está a verdade? Na Bíblia? No Alcorão? No vale? Na Montanha? Neste Templo? Naquela Igreja? O que pode saciar nosso desejo pela verdade?

Se procuramos a paz do nosso desejo em uma religião, não a encontraremos.

Então Jesus responde: “Crê, mulher, vem à hora em que nem sobre este monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai”. Essa resposta de Jesus poderia nos chocar hoje em dia. Sua resposta hoje seria mais ou menos assim: “A verdade não está nesse templo, nem nessa igreja, nem nesta montanha, nem naquele vale”. E, ficaríamos chocados porque para nós a verdade tem que estar em algum lugar, alguém tem que conhecê-la, para transmiti-la.

Se procuramos a paz do nosso desejo em uma religião, não a encontraremos. Se procurarmos a paz do nosso desejo em uma igreja, em uma doutrina, em uma prática religiosa, não a encontraremos.

Podemos compreender o espanto da Samaritana porque é semelhante ao espanto que nos toma quando não encontramos mais objetos para dar aos nossos desejos, querem sejam objetos materiais, quer sejam objetos psíquicos como emoções e sentimentos, quer sejam objeto religioso como doutrina e sabedoria.

Pouco a pouco, Jesus faz uma conversão. Ele muda o foco do objeto de desejo para o sujeito que deseja. Jesus a aproxima dela mesma: “Vem à hora, -e é agora – que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade”.

Assim, quem procura a paz de seu desejo, só vai encontrá-la na experiência de Deus que se concretiza em sua própria vida. Não existe uma verdade que eu possa possuir. Há uma verdade que eu posso ser. É necessário passar constantemente da verdade que tenho para a verdade que sou.

A mulher insiste em manipular a verdade que julga conhecer: “Sei que vem um Messias, que se chama Cristo, quando ele vier, nos anunciará tudo”. Então Jesus lhe responde: “Sou eu. Eu Sou quem fala contigo”.

O sopro da realidade que pode apaziguar nosso desejo não é para amanhã, é para hoje, é para agora, nosso Deus é o Grande Eu Sou.

Neste momento, a mulher abandona seu cântaro, este cântaro simboliza todo conhecimento adquirido, cheio de água buscada no exterior. Agora ela descobriu dentro de si mesma a fonte de água viva.

Ela descobriu o Eu Sou, a paz de todos os nossos desejos.

Existe dentro de nós um desejo infinito que só o infinito pode preencher. E nosso drama é que buscamos nas coisas e pessoas finitas o preenchimento que só o infinito pode realizar.

Pedimos a uma pessoa finita que nos dê o infinito amor, a infinita segurança, e isso é muito para a finitude dela. Pedimos a uma religião a infinita verdade, e isso é demais para uma religião, porque elas são finitas. Essas atitudes representam nossa ilusão de completude.

...há desejos que não serão satisfeitos, e a comunidade dos cristãos é aquela que admite sua carência de Deus e dependência do outro...

Segundo Sebastião Molina, “há a possibilidade de pensarmos no ‘tome a sua cruz e siga-me’ como um sinal de que há desejos que não serão satisfeitos, e a comunidade dos cristãos é aquela que admite sua carência de Deus e dependência do outro, mas com dignidade por causa de Jesus que experimentou ser humano como nós, seres desejantes, sedentos de completude, mas chamados a carregar a cruz, símbolo de morte, de dor, de abandono, de falta, porém, possível de ser carregado. A cruz na sua trave vertical aponta para o alto, desejo de conhecer o infinito, mas também para o horizonte, desejo de se relacionar com o semelhante, com o próximo. Nessa busca há de se ter continência para que o movimento vertical/horizontal não dilacere. Desejamos o infinito, mas estamos vivos porque habitamos um corpo finito, delimitado, belo, que é amado e pode amar”.

Somente através do encontro com Deus, na realidade da minha vida, (a religião pode ajudar ou atrapalhar) que caminharei para aquele que pode apaziguar o meu desejo. A partir daí posso ter ou não ter, posso estar no monte ou no vale, posso estar em casa ou na igreja, no meu interior há uma fonte que jorra para á vida eterna.

Minha igreja e minha doutrina não serão mais meus ídolos. Assumirão o único papel que lhes é permitido: Um caminho que me conduz a Cristo.

O ensinamento que aprendemos com a Samaritana é que não podemos ser livres em relação aos nossos desejos. O problema é pensar que eles podem ser preenchidos por objetos.

Quando entendermos que o nosso mais profundo desejo é por Deus, nós vamos poder apreciar cada coisa por si mesma e não por nossas expectativas e desejo de satisfação. O rio estará indo de encontro ao mar e nele, em breve se perderá.



 
 
 

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