Os Monges Protestantes
- Guilherme Ribeiro
- 27 de set. de 2021
- 5 min de leitura

Taizé é uma comunidade monástica fundada por um protestante, em 1940. Eu fui conhecê-la muito tempo depois, mas seu testemunho marcou irrevogavelmente minha caminhada de fé.
Era 2014 quando experimentei a lectio divina pela primeira vez, dirigida pela Isabelle Ludovico em um de seus grupos de crescimento. Perguntei a ela: “Onde consigo mais disso?” Ela respondeu: “Você precisa conhecer Taizé.” No mesmo ano, pisei em Taizé pela primeira vez. Depois de uma jornada longa de trem de Paris até o sul da França, e mais um ônibus local até um pequeno vilarejo chamado Taizé, sem saber muito bem o que estava fazendo, finalmente cheguei. Junto comigo, havia uma jovem inglesa que me perguntou se era minha primeira vez em Taizé; eu respondi que sim. Ela riu e comentou: “Ah, você vai voltar muitas vezes. Esse lugar é maravilhoso.”
Semanalmente, durante o verão, desembarcam em Taizé cerca de 3 mil jovens de todo canto da Europa e do mundo para fazer um retiro. No domingo seguinte, os 3 mil vão embora e chegam outros 3 mil. A maior parte acampa em barracas num gramado extenso. Outra parte é acomodada em alojamentos simples e confortáveis. Logo na chegada, somos convidados e nos engajarmos em alguma tarefa: limpeza, cozinha, coral ou um grupo de reflexão, ou até mesmo um retiro de silêncio (que fiz na minha segunda visita).
Na minha primeira peregrinação, participei do grupo de reflexão. O tema era propor um novo olhar para a solidariedade. Naquele momento, o assunto mais pungente era a crise dos refugiados sírios. Cada um compartilhou sua experiência e junto a nós estava um senador belga, que coordenou os marcos legais do sistema financeiro depois da crise de 2008. Ele vestia chinelo e se sentava no chão do templo, como todos nós. Disse que ia para Taizé anualmente para se lembrar quem ele era.
A cada dia, são três celebrações, a da manhã, antes do desjejum, a do meio-dia, com celebração da Eucaristia (Ceia do Senhor), e a da noite. A Eucaristia é servida de dois modos: de um lado do templo, ao modo católico romano, do outro lado, ao modo protestante; também há em outra capela, uma celebração ao modo ortodoxo. Acontece que o fundador, o irmão Roger, era filho de um pastor reformado suíço e mãe huguenote. Aos 13 anos teve de sair de casa para estudar, e seu pai tinha de escolher o alojamento para ele. Havia duas opções: a casa de uma família protestante e a casa de uma viúva católica com sete filhos; ele escolheu a segunda. Nos anos em que esteve ali, cresceu no coração do irmão Roger o desejo por reconciliação entre católicos e protestantes. Quando seu pai pediu que fizesse seminário, estudando a história da igreja, foi se interessando cada vez mais pela vida comunitária e começou, com seus colegas de seminário, retiros de silêncio, meditação e confissão.
Durante a Segunda Guerra Mundial, engajou-se em acolher e esconder fugitivos – entre os quais, vários judeus. Nesse período, juntam-se a ele outros estudantes de teologia, mais um agrônomo, e decidem viver juntos como uma irmandade. Em 1953, redigiram a regra que organiza a fraternidade, tornando-se a primeira ordem monástica protestante. O grupo foi crescendo e aumentando seus laços com os católicos, até que o Irmão Roger e o Irmão Max foram convidados para participarem do importantíssimo Concílio Vaticano Segundo.
O número de peregrinos e de jovens que viajavam para visitar aquele grupo de irmãos estava crescendo a cada dia. O Irmão Roger tinha uma vocação para abraçar a juventude, desde que era seminarista e trabalhava com estudantes. Então, decidiram construir o templo que acomodasse os peregrinos. Os recursos vieram de uma organização chamada Sühnezeichen, que significa “sinal de reconciliação”, fundada para ajudar comunidades na reconstrução do pós-guerra. Decidiram apoiar Taizé por sua história de abrigar fugitivos da guerra. A igreja não poderia ter outro nome: Igreja da Reconciliação, e a notícia se espalhou sobre os “monges protestantes.” Hoje, os irmãos são provenientes de diversas tradições cristãs, que ali não são apagadas, mas aprendem a compor um mosaico fértil e um testemunho de unidade.
O irmão Roger foi assassinado em 2005 durante uma celebração por uma jovem com problemas psiquiátricos. No seu culto fúnebre, o seu sucessor, um católico romano, Irmão Alois, orou: “Deus de bondade, confiamos ao seu perdão Luminița Solcan que, em um ato de doença, pôs fim à vida do irmão Roger. Com Cristo na cruz te dizemos: Pai, perdoa-lhe, ela não sabe o que fez.” O episódio não interrompeu em nada o acolhimento da comunidade de Taizé, que continua recebendo de portas e braços abertos os peregrinos que vão de todo o mundo encontrar ali a simplicidade, o silêncio e os cânticos de Taizé.

Um dos pontos mais sublimes da experiência de Taizé é a liturgia que eles desenvolveram, fazendo caber várias línguas e expressões de fé em cada celebração. Os cânticos, quase todos compostos por um dos irmãos da comunidade, são simples e repetitivos. O alvo é aprofundar o sentido no coração e no espírito. Um verso de um salmo é suficiente para alguns minutos de música, com um violão bem tocado, uma flauta ou um violino, e o coro bem ensaiado que nos conduz em adoração e contemplação. Cantamos em vários idiomas, a depender do público que está participando.
Durante a liturgia há leituras de textos bíblicos, um momento de silêncio (cerca de 5 minutos), e orações. Quando há uma exposição devocional, essa palavra não passa de 10 minutos, no máximo. Na sexta-feira à noite, lembrando a paixão de Cristo, todos recebem pequenas velas e algumas crianças acendem suas velas nas que estão no altar e vão compartilhando com quem está por perto. Aos poucos, a igreja toda se ilumina com milhares de velas acesas.
A celebração de sexta-feira “não termina”. Depois da liturgia, sem pressa de ir embora, seguimos cantando até a madrugada; o grupo aos poucos vai se dissipando, até restar apenas um punhado. A vontade é de que não acabe e a impressão que deixa em nós é que esse fogo que iluminou aquela multidão, não deve parar de queimar em nossos corações. A maior parte dos jovens que por lá passam, saem como missionários de Taizé, orando e trabalhando para a reconciliação de toda a humanidade.
Muito mais poderia ser dito, mas, como missionário de Taizé que hoje sou, preciso me ater à simplicidade e ao essencial. Taizé está disponível a qualquer um que se coloque à escuta da voz do Espírito que nos chama à contemplação e a uma vida comunitária. Há muito material disponível na internet e a liturgia é facilmente reprodutível, ainda que sempre adaptada ao contexto em que se vai celebrar. O importante é esse resgate da unidade da igreja, da continuidade histórica dos discípulos de Cristo, que tem um legado maravilhoso a se aproveitar, e essa fonte viva que brota do coração de cada um, e que precisa de atenção e quietude para que dela se beba.
Encerro por aqui citando uma frase da última carta do irmão Roger, que expressa bem o testemunho de Taizé: “Tudo o que Deus faz é dar seu amor; esse é o resumo de todo o Evangelho.”
Trabalho em home-office mas costumo dizer que minha casa é minha ermida. Mas pelo menos uma vez por semana eu preciso fugir para algum parque por aqui e passar meu tempo de oração e meditação em contato com a natureza. E funciona. Mas não estou afiliada a nenhum movimento não. Só fiz mentoria em algumas oportunidades com os retiros que o Osmar ministra.
Essa prática foi constante na minha vida de 2011 a 2017 quando meus filhos cresceram, voaram do ninho, precisei mudar de bairro e a floresta ficou muito longe. Então tive que modular a forma de fazer isso, que acabou ficando mais fácil porque eu passei a morar sozinha. Tenho muitos cadernos de anotação com exercícios de Lectio destes anos todos. Moro em São Paulo desde 2020, sozinha, agora são tempos diários de meditação, extensos, me dou ao luxo de conseguir dedicar de 1 a 2 horas por dia nestes exercícios.
Encerrado o curso, eu sentia falta daqueles sábados, então passei a fazer (sozinha) retiros de silêncio (3 dias sem falar nada e longe das atividades cotidianas) uma vez por trimestre aproximadamente. Sou autônoma, então me programava para interromper minhas atividades profissionais naqueles dias. Eu começava na 6a de manhãe terminava no domingo à noite. Avisava aos meus filhos (que já eram crescidos) que ficaria sem falar por 3 dias, precisava aquietar as muitas vozes no meu entorno e no meu interior para distinguir a voz de Deus me orientando. Saía de casa cedo, me enfiava na Floresta da Tijuca no Rio de Janeiro, só saía de lá quando anoitecia. Ao voltar para casa, me alimentava e me fechava em meditaçã…
Eu sou um cristão batista e já conhecia a Comunidade de Taizé e o fantástico trabalho do irmão Roger. Num futuro próximo esqueceremos nossos rótulos e focaremos em Jesus Cristo, autor e centralidade da nossa fé relacional
Eu comecei a pesquisa sobre o monasticismo Taizé entre 2012 e 2014, quando adotei um sistema monástico em meio à selva urbana como um estilo de vida. Sempre tive curiosidade de conhecer. Foi legal conhecer detalhes sobre as celebrações. Obrigada por compartilhar sua experiência Guilherme.