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Um pequeno feliz Natal

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O Natal me inspira a olhar para o pequeno. O Natal fala do Deus que entra na história humana como bebê; não sem um grandioso exército de anjos anunciando sua entrada. O anúncio, porém, é dirigido a pequenos pastores. 


Naquela época, pastores eram trabalhadores terceirizados, que cuidavam do rebanho dos outros, sujeitos a todo tipo de riscos; normalmente os últimos a saberem de alguma notícia importante - com exceção de ataques e guerras, que acometiam primeiro os campos. Não à toa, foi ao camponês Miqueias que veio a palavra profética sobre a pequena Belém: 

“E você, Belém-Efrata,

que é pequena demais para figurar

como grupo de milhares de Judá,

de você me sairá aquele

que há de reinar em Israel,

e cujas origens são

desde os tempos antigos,

desde os dias da eternidade.”

(Miqueias 5.2)


Também foi a um pastor que YHWH anunciou sua salvação, em um arbusto flamejante. Um pastor que anteriormente estava engajado em um projeto faraônico, literalmente. E que só conseguia pensar em soluções faraônicas para a justa libertação de seu povo oprimido. Foi, aos poucos, conhecendo a grandeza de diminuir, até desaparecer. 


Em escala infinitamente menor, percorri um itinerário parecido: fui ensinado a me dedicar a grandes projetos, ter grandes expectativas, gerar grandes mobilizações… “e quanto rastro de incompreensão eu já deixei”. Aos poucos, fui entendendo o que Deus pode fazer com um “remanescente fiel”; uma pequena ilha de saúde no meio do caos.


O Natal me inspira a fazer como os pastores descritos em Lucas 2, que disseram uns aos outros:

— Vamos até Belém e vejamos os acontecimentos que o Senhor nos deu a conhecer. Foram depressa e encontraram Maria e José, e a criança deitada na manjedoura. E, vendo isso, divulgaram o que lhes tinha sido dito a respeito deste menino… E os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, como lhes tinha sido anunciado.


Depois de ter visto e ouvido, quero voltar glorificando e louvando a Deus, nada mais. Não tenho nada de mim mesmo que eu queira dizer. Não tenho nada de importante a oferecer, a não ser relatar o que vi e ouvi na experiência de ir contemplar o salvador na pequena Belém. É preciso descer para enxergar o Cristo. Ele mesmo disse que estaria “escondido” nos pequeninos a quem damos de comer, de beber, a quem visitamos, hospedamos ou vestimos. (Mateus 25.35-45)


Aba Moisés, um dos pais do deserto nos primeiros séculos do cristianismo, ensinava que todo aquele que quiser percorrer uma carreira (artística, profissional, espiritual) precisa de um alvo final. Para o monge (ou o cristão), podemos dizer que o alvo final é o Reino dos Céus. Mas, dizia ele, não basta olhar para o alvo final, é necessário ter um alvo imediato. Qual é o próximo passo? O que eu, hoje, vou procurar obter até que eu chegue no alvo final? Para o monge (ou o cristão), segundo o Aba Moisés, o alvo imediato é a pureza de coração. 


É como ter os olhos em um horizonte final e as mãos firmes em um volante que é capaz de me conduzir até o fim do caminho. Perceber que o caminho é feito de um pequeno passo após o outro. Apegar-me ao pequeno que está ao meu alcance. Aperfeiçoar-me no pequeno alvo: cultivar, hoje, um coração puro. E que pequeno gigantesco! Quanto mais nos aproximamos do pequeno, maior sua envergadura.


O vislumbre angélico dos pastores anuncia um horizonte escatológico, cósmico, absolutamente grandioso. Mas, depois do anúncio, tendo tido essa visão, ainda cabe a mim ir até Belém procurar o bebê na manjedoura. Está ao meu alcance percorrer esse caminho descendente para contemplar uma beleza poderosamente frágil, uma salvação constrangedoramente acessível. 


Quero ir até Belém para ver. Quero estar atento aos pequenos gestos: carinhos discretos de gente boa ao redor, gentilezas que estão em minhas mãos para fazer, generosidade anônima. Quero estar atento aos pequenos educadores: minhas filhas, os pequenos seres da natureza, as pessoas simples e humildes com quem convivo. Quero estar atento aos pequenos começos: pequenos movimentos da minha alma em direção a um coração mais inteiro, pequenas amizades que antecipam uma vida de cumplicidade, pequenas vitórias em lutas tão grandes. Quero uma pequena ceia de Natal, com poucos bons amigos, comida suficiente e uma cadeira a mais para o Cristo que pode chegar. Quero um pequeno presépio para imaginar o Cristo precariamente acolhido na maternidade inexperiente de uma pequena Maria, que se abriu ao inimaginável, e um pequeno notável pai adotivo, discreto, que encarou a bronca do lado dela.


Atento aos pequenos, oro com Davi: 


Senhor, não é orgulhoso

o meu coração,

nem arrogante o meu olhar.

Não ando à procura

de coisas grandes,

nem de coisas maravilhosas

demais para mim.

Pelo contrário, fiz calar

e sossegar a minha alma.

Como a criança desmamada

se aquieta nos braços

de sua mãe,

assim é a minha alma

dentro de mim.

Espere, ó Israel, no Senhor,

desde agora e para sempre.

(Salmo 131)


Desejo a você um pequeno feliz Natal!

 
 
 

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