A Lógica Meditativa de Maria
- Guilherme Ribeiro
- 20 de dez. de 2022
- 4 min de leitura
Todos os que ouviram se admiraram das coisas relatadas pelos pastores. Maria, porém, guardava todas estas palavras, meditando-as no coração.
Lucas 2.18-19 NAA

Foi o Osmar Ludovico que me chamou atenção para o verbo grego traduzido por "meditando" no texto de Lucas. O original é symballousa, que vem da mesma raiz de "símbolo". A palavra é composta por sym (junto, perto) + balló (lançar, impelir). Então, o símbolo é o que une realidades antes separadas - como, por exemplo, a bandeira de um país é capaz de unir o imaginário de um povo e até representá-lo. Assim, jogar uma bandeira na lama faz parecer que o próprio país é que foi jogado na lama.
Maria nos ensina uma lógica diferente da lógica aristotélica que domina o pensamento de quase todo o mundo ocidental. A lógica aristotélica obedece um princípio de não-contradição. Uma coisa não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo. Por exemplo, se digo que homens morrem, não posso dizer que não é verdade que homens morram.
Maria precisa lidar com o fato de que é humana, filha de pais humanos, inteiramente humana, contudo, é fecundada pelo Espírito de Deus. Pela lógica, seu filho é o quê? É humano ou é divino? Pela lógica de Maria, a resposta é: sim. Vamos juntar essas informações sem precisar negar nenhuma delas.

Os pastores viram a glória de Deus e um exército celestial louvando a Deus para anunciar o nascimento de Jesus, contudo Maria está ninando seu filho em um comedor de animais, enrolado em faixas. Seu filho é um soberano digno de um exército de anjos, ou é um pobre e vulnerável bebê nascido em uma situação adversa? Maria guarda (como quem sabe que pode perder) essas aparentes contradições em seu coração. E medita nelas. Ela junta essas ideias em seu coração, sem precisar excluir uma terceira possibilidade, que é haver uma realidade maior do que a que ela pode compreender naquele momento.

Esse verbo, traduzido para Maria como "meditar", é usado poucas vezes no Novo Testamento e todas por Lucas (duas vezes em seu evangelho e quatro nos Atos). Uma vez para se referir a um rei que junta esforços para ir à guerra (Lucas 14.31). Outra vez quando o Sinédrio "discutia" o que fazer com Pedro e João (Atos 4.15). Ainda outra quando filósofos epicureus e estoicos "discutiam" com Paulo (Atos 17.18). E para descrever Apolo indo ao encontro de uma necessidade (Atos 18.27) e Paulo indo ao encontro de outros discípulos (Atos 20.14). Notem que Maria está entre gigantes.

A lógica meditativa de Maria, então, é uma arte do encontro; é a disposição de juntar pedaços sem a ansiedade dualista que precisa excluir qualquer coisa que desafie a equação. E essa forma de enxergar o mundo fica ainda mais destacada se considerarmos o oposto de sym (junto) é dia (separado). Encontramos essa partícula em "diálise" (que separa as impurezas do sangue), ou "diagrama" (que desenha as partes de alguma coisa), ou "diáspora" (que expressa um povo separado de sua terra natal). Mas, somado ao balló (lançar), temos a palavra diábolos, aquele que divide, aquele que lança cada um para um lado. Daí se origina a palavra "diabo".
Desde o início, a serpente nos instiga a comer do fruto do "conhecimento do bem e do mal", nos separando de Deus, da natureza, uns dos outros, e até de nossa própria integração com nosso corpo. Poderíamos ainda poetizar que esse fruto dualista que comemos é a própria arrogância de querer traçar linhas na areia e dizer que sabemos dizer onde está o certo e onde está o errado. "Certo" e "errado" são conceitos importantes nas ciências. Na vida, costumam causar muita divisão.

Maria, então, nos aponta o caminho do símbolo, da meditação sobre elementos que não parecem harmônicos. Ela guarda o contraditório no coração, sem tentar atribuir o bem e o mal a qualquer lado. Diante das suas circunstâncias adversas, ela não suspeita do caráter de Deus. Ela limpa o bumbum divino de Jesus sem questionar a sua divindade. Assim como, pouco tempo depois, ela foge do rei Herodes para o Egito, amamentando o rei do universo.
Uma vez que nos damos conta desse "espírito" diabólico que se infiltra em toda parte nos dividindo, temos a tendência de encontrar diabos por toda parte e começar uma caça às bruxas. Localizamos o mal em algo ou alguém (pode ser uma personagem política, uma empresa, um grupo de pessoas), e fazemos de tudo para acabar com eles. Acontece que, ao fazermos isso, ainda estamos sob influência do diabo, porque separar é de seu feitio.
Jesus expulsava espíritos malignos (desintegradores) de pessoas possuídas para libertá-las, restaurando sua integridade biopsicossocial e espiritual, reintegrando-as à comunidade. E quando tentado pelo adversário, resistiu-lhe juntando partes: "Também está escrito..." Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, e nos deu o ministério da reconciliação (2Coríntios 5.18-21). Assim, deixamos de nos alimentar da árvore que não sacia, e passamos a comer da árvore da vida.

Por fim, a meditação é uma lógica que se processa no coração, não na mente. Ela não busca eliminar possibilidades; ao contrário, se abre para que uma realidade ainda maior possa existir. A meditação é a inteligência simbólica da alma. Por meio dela conseguimos, não uma explicação mecânica da vida, mas uma ilustração da experiência humana, literalmente, ilustrando, iluminando o que significa ser humano. Meditar é combinar imagens no coração - o que tem o potencial de reconfigurar toda uma vida. Uma metáfora pode ressignificar uma história; desembaçar nossas lentes. Meditar é articular as palavras que recebemos (e até inventar novas palavra) para escrever uma biografia inédita. Meditar é reordenar as notas que a vida nos deu até descobrimos uma melodia que ainda não conhecíamos.
Vamos aprender com Maria: diante do mistério da vida, reverência e abertura para sermos sempre de novo fecundados pelo que ainda não conhecemos plenamente, mas que temos experimentado e provado que é bom.
Ilustrações: Scott Erickson @scottthepainter
Grande exercício para os dias atuais. Diante de tudo que estamos vivendo.
Esta lógica de meditar sobre o que não é harmônico e guardar no coração o contraditório!
Se isso fosse seguido, com certeza eliminaríamos 99% das confusões vividas.
Não haveria tantas divisões.
Mas com a velocidade da informação, hoje, de forma tão maléfica.
Vem o medo? Não! o perfeito amor lança fora todo medo!
Se pre-ocuparmos em ensinar a viver assim, aqueles que nos cercam e os que nos observam, viveríamos um mundo melhor, posso até dizer; veremos lampejos da eternidade, já, resultados imediatos!
Me faz deste texto fazer minha oração caro Guilherme!
Que sejamos capacitados nesta linda meditação, guardando no coração o contraditório!
Sabias palabras amigo!
Que Jesus…
Lindo texto!